Entre Cida e Raquel, Raquel e Cida



Os anos 90 estavam começando.
Eu já havia me casado, muito jovem, e tinha meu primeiro filho.
Eu, que amo estudar, voltava aos bancos escolares naquele momento, para retomar outros aspectos da minha vida que não estivessem relacionados unicamente à formação de uma família, que havia sido minha primeira opção.

Em curso barato, no centro da cidade, frequentado por gente de todo tipo, conheci Cida e Raquel - as duas eram realmente especiais e destacavam-se naquele meio.
Chegava a ser divertido para nós, estar naquele ambiente feio e mal estruturado, entre as pessoas que o frequentavam: desde jornalistas até garotas de programa. Diversidade cultural e social.

Aquele curso me deu a base para continuar o que havia interrompido em função do casamento e do nascimento do meu primeiro anjinho, mas o melhor que conquistei naquele momento foi uma dupla de amigas que até hoje me acompanham, na presença constante, seja física ou virtual, e principalmente nas lembranças cúmplices das emoções mais intensas que se pode viver.

Estávamos naquela fase da vida em que ainda relutamos a querer crescer.Havia tempo que já tínhamos deixado a adolescência para trás, mas ainda era difícil assumir que éramos adultas; mais mães do que filhas. Eu era a mais nova das três e elas de certa forma, me protegiam.
Fica muito difícil escolher sobre falar de Raquel ou falar de Cida.
Falarei das duas neste momento, depois conto nossas histórias isoladas.
Nos identificamos quase de imediato, e aos poucos fomos nos aproximando, para nos tornarmos um trio inesquecível e indescritivel que marcou para sempre a vida de cada uma de nós. Falávamos sobre tudo. Ensinamos e aprendemos umas com as outras coisas que jamais aprendemos na escola. Foi muito intenso e inimaginável o efeito que provocamos em nossas vidas naquele momento.

Estudávamos à tarde.
Minha rotina era meio complicada, já que tinha um bebê que havia acabado de desmamar. Às vezes o levava à casa de minha mãe, antes das aulas, de ônibus, no colo. E ele era um bebezão. Às vezes, minha mãe vinha em casa, ficar com ele, e em outras, minha sogra o levava à casa dela.

Me lembro que uma das coisas que mais me chamou a atenção nas duas, foi o texto de cada uma nas aulas de redação, quando liamos o que tínhamos
escrito em casa. Os textos de
Raquel, extremamente emocionais, qualquer que fosse o assunto. Os de Cida, exteeeeeensos,
explicativos, divagavam por longos minutos sobre os mais variados assuntos.

Gradualmente, fomos nos aproximando em sala de aula, e em pouquíssimo tempo já não nos separávamos mais, mesmo fora das aulas. Os professores muito rapidamente também tornaram-se parte de nossa amizade. Outros colegas também. O professor Márcio, de sobrenome elegante, foi um grande amigo também. Nosso colega Roney, com sotaque londrinense/paulista/carioca é outro amigo da época que marcou significativamente.
Uma das primeiras coisas que me fez admirar Raquel foi uma conversa, antes das aulas, em que ela contava sobre seu marido e como riam juntos. Pensei: "um casal realmente é feliz enquanto consegue rir junto, depois de muitos anos de relacionamento". Ela e Beto já estavam juntos havia muito tempo. Mariana e Tayana eram duas meninas já bem crescidinhas (e lindas demais, como até hoje). A sensibilidade e a intuição de Raquel marcaram a minha vida para sempre. Líamos Tarot, uma para a outra. Muitas pessoas pensavam que fôssemos irmãs, pois nossos traços, segundo a maioria das pessoas, eram parecidos.
Nossos cabelos volumosos e escuros, nem lisos, nem cacheados, nossa altura, nossas loucuras...Raquel era a mais "louca" das três.
Gostávamos de "brincar" de "bruxas de Eastwick". Todas queríamos ser a Cher. Cida aceitou ser a Sarandon.

Cida conquistou minha amizade definitivamente pela sua atitude positiva, bem humorada, extremamente inteligente e sofisticada. Ela é linda, em seus cachos bem cuidados, que eram quqase negros, naquela época, em contraste com sua pele branca, davam-lhe um ara angelical.
Era a mais alta de nós três, e vivia um casamento muito feliz, com dois filhos lindos: Vinícius e Victor Hugo. Cida ainda é uma das poucas pessoas que conheço que mantém um casamento feliz por tantos anos, com verdade e paixão. Toninho a faz realmente feliz. São também emocionalmente inteligentes.


Raquel era uma irmã. Cida, uma mãe, apesar dos poucos anos a mais que tinha. Cida chegava a amarrar meus sapatos, pegava na minha mão para atravessar a rua. Ríamos muitos de suas atitudes instintivas.

Nós três sempre tivemos uma estranha e especial cumplicidade.

Passamos a fazer tudo, juntas. Saíamos com as famílias durante o dia para ir ao parque. Saíamos para a balada, à noite, com os maridos.
Saíamos à tarde para fazer compras. Saíamos à tarde para tomar café, chocolates, cervejas, na rua 24 horas.
Trocávamos experiências, crescíamos juntas, e acima de tudo criávamos os laços que nem os anos conseguiriam romper.

Os anos nos afastaram fisicamente. Só fisicamente.
Hoje, Cida é a famosa Cida Carvalho, mosaicista fundadora da Associação Paranaense de Mosaicistas. Vive em Brasilia com a família, mas sempre que vem a Curitiba, vem me visitar. E sinto como se nunca tivéssemos nos separado. A mesma confiança, a mesma verdade, a mesma admiração, o mesmo amor. Seus cabelos hoje são cor de caramelo, e ela continua linda. E inabalavelmente feliz, com seu Toninho e os meninos que já não são meninos. Cida sempre quis consertar o mundo. Hoje junta fragmentos e transforma em belíssimas obras de arte nos seus mosaicos. Aprendeu a transformar.
Raquel é educadora de crianças especiais, ensina o evangelho para crianças, na sua igreja(e ela nem era religiosa). A pequena Mariana tornou-se uma linda mulher, com muita atitude. A fofa da Tayana será mamãe, em breve - minha louca Raquel, avó - inacreditável!
Passamos longos anos sem nos falar, mas quando nos reencontramos, só a saudade mudou, pois era enorme. O amor-amizade continuava o mesmo.
Os cabelos negros e longos de Raquel também mudaram. Hoje são curtos, elegantes e louros.
Raquel direcionou sua loucura para a fé.
Mas continuamos com as mesmas essências, as mesmas almas ansiosas por partilhar as experiências vividas e adquiridas ao longo dos anos. E, uma coisa certa : uma cumplicidade única que só encontramos umas nas outras. Isso, não existem palavras suficientes que descrevam.

Nunca mais nos encontramos, as três ao mesmo tempo, fisicamente. Temos planos para o final deste ano(2010).

Comentários

  1. Amiga!!! Fiquei emocionada!!!! Lindo texto e me fez voltar ao tempo!!! Realmente tempos de ensinar e aprender !!!! Amo voce!!!
    Este ano prometo que vamos passar uma tarde inteira juntas as tres !!!

    beijo grande no coração!!!!

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